A garantia de um processo justo: o devido processo legal

Neste artigo, você verá o conceito, o conteúdo e as dimensões do princípio do devido processo legal. Além disso, você poderá ver como tal princípio se aplica às relações privadas e, também, à prática previdenciária.

O que é o devido processo legal?

O princípio do devido processo legal está previsto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.

Tal dispositivo prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Como explica Didier Jr. (2019, p. 88, v. 1), “devido processo legal” significa, em verdade, que o processo deve estar em conformidade ao Direito como um todo, e não somente com a lei.

Essa distinção é importante já que garante o direito fundamental a um processo devido, justo, equitativo, etc., e não somente direito a um processo formalmente legal.

Também, deve ser advertido que o princípio do devido processo legal condiciona todos os métodos de exercício do poder normativo.

Assim, pode-se falar em devido processo legislativo (produção de leis), administrativo (produção de normas administrativas), jurisdicional (produção de normas individuais jurisdicionais) e negocial (produção de normas jurídicas particulares em negócios jurídicos).

O devido processo legal tem por finalidade impedir o exercício abusivo e tirânico de qualquer poder, seja ele legislativo, administrativo, judicial ou particular.

Qual o conteúdo do devido processo legal?

O devido processo legal trata-se de uma cláusula geral, cuja noção teve várias acepções ao longo da história.

A esse respeito, pode-se citar que, inicialmente, o devido processo legal era visto como uma cláusula de proteção contra a tirania, para impor ao imperador a submissão às leis do império.

Atualmente, o devido processo legal deve se ajustar às exigências da sociedade atual, que vive no contexto da informatização, globalização, etc.

Também, é possível ver que, ao longo do tempo, o devido processo legal teve inúmeras concretizações, as quais compõem o rol de garantias mínimas a serem observadas para se garantir – de fato – o devido processo.

Como corolários da aplicação do devido processo legal, tem-se na Constituição brasileira de 1988: direito ao contraditório e ampla defesa; tratamento paritário às partes; proibição de provas ilícitas; publicidade do processo; garantia do juiz natural e da motivação das decisões; duração razoável do processo; garantia de acesso à justiça.

Todos esses corolários citados acima compõem o conteúdo mínimo do devido processo legal.

Esse conteúdo mínimo não é – hoje – suficiente para dar conta de todos os problemas contemporâneos. E, por isso, mais uma vez, o devido processo legal deverá ajustar-se à sociedade atual, tal como já dito antes.

Isso porque, como se denota, o princípio do devido processo legal tem a “função de criar os elementos necessários à promoção do ideal de protetividade”. (ÁVILA, Humberto apud DIDIER JR., op. cit., p. 92).

Devido processo legal formal e devido processo legal substancial

Como explica Didier Jr. (op. cit.), o devido processo legal pode ser compreendido em duas dimensões, quais sejam: formal/procedimental ou substancial.

Em sua dimensão formal, devido processo legal tem por conteúdo as garantias processuais do contraditório e ampla defesa, juiz natural, duração razoável do processo, dever de motivação das decisões, etc.

Já na sua acepção substancial, devido processo legal é o processo que não somente observa as formalidades impostas, mas que também gera decisões jurídicas substancialmente devidas.

No Direito Brasileiro, a dimensão substancial foi assimilada a partir da consideração dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ou seja, para ser reputado como substancialmente devido, o processo deve estar de acordo com as máximas da proporcionalidade e da razoabilidade.

Desta forma, um processo (legislativo, administrativo, judicial ou negocial) que apresente uma solução absolutamente desproporcional e/ou desarrazoada não pode ser reputado como substancialmente devido.

Inclusive, o art. 8º, do Código de Processo Civil, prevê expressamente a necessidade do magistrado observar a proporcionalidade e razoabilidade em seus julgamentos, senão vejamos:

“Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” (grifos nossos).

Portanto, inegável a aplicação do devido processo legal substancial na experiência jurídica brasileira.

O devido processo legal também se aplica a relações privadas?

Pergunta sempre frequente é se o devido processo legal deve ser aplicado também às relações privadas.

A resposta é: sim!

Isso porque qualquer direito fundamental pode ser aplicável às relações jurídicas privadas. E o devido processo legal é um desses direitos.

Essa discussão recebe o nome doutrinário de eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Existem 3 teorias a respeito do tema. No Brasil, prevalece a teoria da eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais na esfera privada.

Ou seja, a Constituição Federal de 1988 vincula os particulares aos direitos fundamentais nela previstos.

É claro que a extensão dessa eficácia se sujeita também à incidência de especificidades inerentes ao direito privado, tal como a proteção à autonomia da vontade.

Portanto, o devido processo legal deve sim ser aplicado às relações privadas, tanto na fase pré-negocial, quanto na fase executiva.

Exemplo bem claro dessa incidência é o julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal (RE nº 201.819/RJ, Min. Rel. Elen Gracie, j. 11/10/2005), no qual restou anulada a expulsão de associado de uma entidade privada por não ter sido observado o direito de defesa daquele.

Isso demonstra que não é lícito restringir o direito ao devido processo legal no âmbito das relações privadas.

Princípio do Devido Processo Legal na Prática Previdenciária

Por abranger várias garantias, é muito comum ver alegações de violação ao devido processo legal na prática processual, especialmente na prática previdenciária.

Como se sabe, nos processos previdenciários, o segurado demanda em face do INSS ou de um ente público, caso seja servidor público e a entidade a que ele for vinculado tenha regime próprio.

Também como é sabido, os entes pertencentes à Administração Pública não só devem se abster de fazer aquilo que é proibido em lei, como devem fazer somente o que é permitido pela legislação.

Nesses casos, o respeito ao devido processo legal deve ser sempre levado muito a sério, já que eventuais distorções trazem consequências graves.

Por isso, é importante que o advogado previdenciário saiba usar o “filtro” do devido processo legal para verificar se houve o devido processo de:

  1. produção de leis pelo Poder Legislativo, verificando a razoabilidade e proporcionalidade dos atos normativos, sempre tendo em mira a Constituição Federal;
  2. produção de normas administrativas pelo INSS ou pela entidade gestora do regime próprio;
  3. produção de normas jurídicas pelo órgão jurisdicional competente para julgamento da matéria.

Tal como já falado anteriormente, é necessário verificar se “as regras do jogo” foram efetivamente respeitadas e, também, se houve observância do devido processo legal substancial. 

Vale dizer, se houve o cumprimento das normas procedimentais regentes da matéria e se o ato praticado está ou não de acordo com as máximas da proporcionalidade e razoabilidade.

Qualquer violação ao devido processo legal, seja na sua dimensão formal ou substancial, deve ser combatida e alegada desde o primeiro momento. Até mesmo para cumprir o prequestionamento necessário ao acesso às vias especiais (Recurso Extraordinário para o STF e Recurso Especial para o STJ).

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Forte abraço,

Gustavo Santos.